Antecedentes
A Federação Russa tem uma prática de longa data de consultas sobre projetos de lei no nível das autoridades estaduais, bem como discussões públicas. As discussões públicas decorrem em vários locais e com representantes interessados de comunidades profissionais e organizações públicas, incluindo as comunidades de pacientes.
A resolução do governo da Federação Russa "sobre medidas para melhorar as atividades legislativas" (2009) prevê que um projeto de lei aprovado por órgãos governamentais e autoridades executivas seja colocado num site de Internet especial para discussão pública. Os comentários e sugestões fornecidos pelos cidadãos são publicados ou enviados através do mesmo site. As respostas às sugestões também são ali publicadas. Essas respostas são preparadas pelo Ministério da Saúde e por funcionários do Departamento de Assistência Médica e do Departamento Jurídico, com o envolvimento de grupos de especialistas.
Além disso, são realizadas discussões públicas sobre projetos de lei com vários públicos-alvo: comunidades profissionais, incluindo académicos, representantes de confissões religiosas, organizações de pacientes e representantes do foro público, que deixam patente a diversidade da sociedade civil.
As propostas de lei são alteradas com base nas opiniões recolhidas. Se se considerar que a adoção de um projeto de lei viola ou restringe os direitos humanos, esses projetos de lei podem ser reencaminhados para comentários do público.
A questão
A lei da Federação Russa de 1992 "sobre transplante de órgãos e tecidos humanos" permite que sejam removidos órgãos do corpo de uma pessoa adulta após a sua morte, se não houver registo de que tal fosse contrário à vontade dessa pessoa. Por outras palavras, há um consentimento presumido na ausência de recusa explícita (“opt-out”). A legislação incide no transplante de órgãos e apresenta lacunas significativas em questões relacionadas com os direitos humanos nos que respeita à doação de órgãos.
Tem havido debate sobre se os familiares devem participar na decisão de doação de órgãos de uma pessoa falecida, incluindo o direito a recusarem a doação de órgãos quando a pessoa em causa não manifestou expressamente esse desejo.
Outra discussão diz respeito à doação de órgãos de crianças. A lei de 1992 proíbe doações de órgãos vivos de menores de 18 anos e exige o consentimento informado de um dos pais (consentimento explícito, “opt-in”) para remover um órgão de uma criança falecida.
A nova legislação, proposta em 2016, teve como objetivo melhorar o enquadramento jurídico no domínio da doação de órgãos, com vista a preencher as lacunas legais relacionadas com os direitos dos dadores de órgãos; equilibrar os direitos dos dadores, dos destinatários, dos seus familiares e as perspectivas de especialistas de organizações médicas; e melhorar os aspetos jurídicos e éticos da doação.
Outro objetivo foi informar a população sobre a importância da doação de órgãos e a legislação vigente, incluindo o seu desenvolvimento e aperfeiçoamento.
Metodologia
As emendas propostas foram sujeitas a consulta e debate públicos, conforme exigido pelo Projeto de Lei de 2009.
As discussões ocorreram de diferentes formas. O debate online contou principalmente com a participação de cidadãos comuns, com idade superior a 40 anos, que discutiram o projeto de lei e expressaram as suas opiniões sobre a doação de órgãos. As suas atitudes em relação à doação de órgãos eram principalmente negativas ou neutras.
A discussão sobre doação de órgãos, entre as gerações mais jovens, ocorreu nas redes sociais.
O debate detalhado sobre o projeto de lei decorreu na comunidade profissional, em reuniões com especialistas. As opiniões dos especialistas foram analisadas de acordo com as regras para a elaboração de um projeto de lei a ser submetido ao Governo. As análises foram tidas em consideração pelo Ministério na preparação do projeto de lei.
Resultado
O resultado dos debates permitiu ao Ministério melhorar as disposições do projeto de lei e aperfeiçoar os programas de informação aos cidadãos sobre a doação de órgãos.
As normas legais que permitem a doação de órgãos de crianças falecidas foram muito criticadas. O debate mostrou que a sociedade russa não está pronta para a doação de órgãos de crianças falecidas, embora isso já esteja regulamentado na lei, e não haja obstáculos para a implementação dessa disposição.
As emendas propostas à lei receberam muitas críticas, e a nova lei foi interrompida antes de chegar ao Parlamento (Duma).
Aspetos a destacar e lições aprendidas
A doação de órgãos é uma questão muito sensível para a sociedade russa, devido à importância dada à integridade do corpo das pessoas falecidas. Foi possível chegar a um consenso entre especialistas em muitas questões, mas ainda há dificuldades em regular os direitos dos familiares de dadores.
Uma das lições aprendidas mais importantes é que o debate só será eficaz se as pessoas tiverem um entendimento completo do assunto, especialmente quando estejam em causa questões de direitos humanos. O debate deve ser precedido de uma ampla campanha de informação, com explicações detalhadas de todas as disposições discutidas na legislação atual e na nova proposta.
A discussão do projeto de lei continua, e o mais difícil é superar as atitudes negativas em relação à doação de órgãos dos cidadãos com idades entre 50 e 60 anos, que estão muito ativamente envolvidos em discussões públicas sobre esse assunto.
O debate público deve ser adaptado ao contexto cultural. Talvez esta questão tenha as suas próprias raízes históricas e culturais, uma vez que a Federação Russa é um país multiétnico e multiconfessional, onde sempre foi importante preservar a integridade do corpo de uma pessoa falecida antes do enterro.